sábado, 17 de março de 2012

Homilia IVº Domingo aos Militares da KTM/KFOR

Deus de tal modo ama o mundo que lhe oferece o Seu Filho Único; de tal modo ama o mundo que lhe entrega, hoje, a Sua Igreja, a fim de esta d’Ele ser testemunha do mesmo amor, da mesma misericórdia, da mesma redenção e salvação.
A beleza da missão da Igreja que somos. A grandeza do Povo que formamos. A riqueza da missão que nos está confiada…Mensageiros da Paz!
Sermos “espelho” fidedigno, sermos rosto transparente de Deus Amor, neste tempo marcado pela “crise”, pelas “crises” tantas e diversas que atravessam o Homem nosso irmão!
Sermos esperança e abraço, sermos paz e sonho, em nome d’Aquele que Se oferece e imola, até ao limite, à loucura da Cruz!
Na verdade, não vivemos, existimos ou celebramos em função de nós próprios.
Somos a Igreja que há-de falar, “gritar” com a eloquência da caridade e da fidelidade esse Amor maior com que Deus presenteia cada homem e mulher nossos irmãos.
O Filho do Homem será elevado, como outrora Moisés elevou a serpente no deserto.
A Igreja será elevada, ao jeito de Jesus, hoje, apenas e quando se decidir à glória da Cruz, ao poder do serviço, à riqueza do desprendimento, à morte de si mesma que gera a vida da humanidade.
A Igreja é elevada, é razão de espanto, é fonte de admiração, é atração de vidas e corações, quando se aventura a caminhar ao “estilo” do seu Mestre, quando se entrega à “sabedoria” de Deus, oferecendo-se como Serva, como disponível para lavar os pés ao próprio mundo.
A nossa missão é sublime. A nossa vocação é fantástica…
Que gozo quando a abraçamos de alma e coração. Que graça quando a acolhemos no mais fundo da nossa alma. Que bênção sempre que nos abrimos à força do Espírito que, como no “ontem” da história, nos quer elevar neste nosso tempo…
Não, não podemos esquecer as palavras do Evangelho: Deus de tal modo ama o nosso mundo que lhe oferece o seu próprio Filho… que nos encaminha em Quaresma, prontos à conversão e à renovação de mentalidades e corações…

quarta-feira, 14 de março de 2012

O verdadeiro jejum

 
Deixemo-nos de fantasias patéticas de um pseudo-jejum tipo aspirina espiritual
Agora que estamos no ritmo anual da vida das comunidades cristãs no Tempo da Quaresma, ocasião de penitência, oração e silêncio que antecedem a celebração da Páscoa vem sempre ao debate o tema do jejum. Sobre este assunto pairam alguns medos e uma fixação rubricista anacrónica.
 
Vejamos então. A Igreja hoje prevê apenas dois dias no ano o jejum, a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa. Nada de especial. Cada fiel procura da melhor forma viver essa prescrição. O mais importante é saber-se qual o verdadeiro jejum que agrada a Deus e ao saudável convívio entre as pessoas. Penso que nos falta fazer esta pregação e a conversão consequente devia chegar aos crentes.
O verdadeiro jejum proclama-o o profeta Isaías quando diz o seguinte: «Acaso não é este o jejum que escolhi? que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo? E que deixes ir livres os oprimidos, e despedaces todo jugo? Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desamparados? Que vendo o nu, o cubras?» (Is 58,6-7).
No Evangelho de S. Mateus Jesus desmascara as tentações satânicas de uma religião utilizada para proveito pessoal, uma religião onde se procura honras e poder entre os homens, sobretudo, entre os poderosos deste mundo. Por isso, guardo com muito carinho uma frase de Santo Afonso de Ligório: «É uma grande injustiça impor às consciências normas e leis se não pudermos provar claramente que elas são queridas por Deus». Muita da intriga palaciana que se passa dentro da Igreja Católica que, escandalosamente, a comunicação social de todo o mundo nos vai dando conta, reclama um forte jejum para que todos os gananciosos de poder e de mordomias se convertam à missão-serviço em nome de Jesus de Nazaré. Este sim para a Igreja que se reclama herdeira do Evangelho de Jesus, o modelo autêntico do poder-serviço dos sem lugar e vez neste mundo dos poderosos.
Não podemos aceitar que se anuncie o desprendimento, a caridade e a radicalidade da entrega à causa do Evangelho, mas depois assumem-se sem pudor as púrpuras envernizadas, o luxo principesco e a avidez pelos bens materiais como principal razão de ser do «serviço» da causa que se abraçou.
O Papa João XXIII dizia inspirando-se no Evangelho: «Eu saltei da barca e caminho sobre as ondas ao encontro de Cristo que me chama. A Igreja deve renunciar às suas certezas. Deve abandonar a segurança da barca e caminhar sobre as ondas. Chegará a noite, a tempestade, o medo. Mas não há que retroceder. A Igreja é chamada a ir ao encontro do mundo».
Vivemos séculos de doutrina doce e continuamos a mascar a pastilha elástica insonsa de uma mensagem no sentido de um moralismo mole que não pode eliminar a força da mensagem daquele que veio «lançar fogo à terra».
Porque, creio no Jesus libertador de todas as amarras, da injustiça, um Jesus que diz não à pobreza, à guerra, ao assalto à natureza em nome da cobiça, ao racismo, à violência brutal contra as mulheres, crianças e velhos à qual nenhuma sociedade escapa, na qual nenhuma tem as mãos limpas. Creio no Jesus da esperança dos sem esperança. O Jesus do abraço sem fronteiras.
Deixemo-nos de fantasias patéticas de um pseudo-jejum tipo aspirina espiritual que não transforma nada e vamos proclamar um Jesus que desprende de um ser cristão anestesiado com rubricas à margem da vontade de Deus e celebraremos a autentica e verdadeira PÁSCOA DO SENHOR!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Um dia tinha de acontecer...

Está à rasca a geração dos pais que educaram os seus meninos numa abastança caprichosa, protegendo-os de dificuldades e escondendo-lhes as agruras da vida. 
Está à rasca a geração dos filhos que nunca foram ensinados a lidar com frustrações. 
A ironia de tudo isto é que os jovens que agora se dizem (e também estão) à rasca são os que mais tiveram tudo. Nunca nenhuma geração foi, como esta, tão privilegiada na sua infância e na sua adolescência. E nunca a sociedade exigiu tão pouco aos seus jovens como lhes tem sido exigido nos últimos anos.
Deslumbradas com a melhoria significativa das condições de vida, a minha geração e as seguintes (actualmente entre os 30 e os 50 anos) vingaram-se das dificuldades em que foram criadas, no antes ou no pós 1974, e quiseram dar aos seus filhos o melhor.
Ansiosos por sublimar as suas próprias frustrações, os pais investiram nos seus descendentes: proporcionaram-lhes os estudos que fazem deles a geração mais qualificada de sempre (já lá vamos...), mas também lhes deram uma vida desafogada, mimos e mordomias, entradas nos locais de diversão, cartas de condução e 1.º automóvel, depósitos de combustível cheios, dinheiro no bolso para que nada lhes faltasse. Mesmo quando as expectativas de primeiro emprego saíram goradas, a família continuou presente, a garantir aos filhos cama, mesa e roupa lavada.
Durante anos, acreditaram estes pais e estas mães estar a fazer o melhor; o dinheiro ia chegando para comprar (quase) tudo, quantas vezes em substituição de princípios e de uma educação para a qual não havia tempo, já que ele era todo para o trabalho, garante do ordenado com que se compra (quase) tudo. E éramos (quase) todos felizes.
Depois, veio a crise, o aumento do custo de vida, o desemprego, ... A vaquinha emagreceu, feneceu, secou.
Foi então que os pais ficaram à rasca.
Os pais à rasca não vão a um concerto, mas os seus rebentos enchem Pavilhões Atlânticos e festivais de música e bares e discotecas onde não se entra à borla nem se consome fiado.
Os pais à rasca deixaram de ir ao restaurante, para poderem continuar a pagar restaurante aos filhos, num país onde uma festa de aniversário de adolescente que se preza é no restaurante e vedada a pais.
São pais que contam os cêntimos para pagar à rasca as contas da água e da luz e do resto, e que abdicam dos seus pequenos prazeres para que os filhos não prescindam da internet de banda larga a alta velocidade, nem dos qualquercoisaphones ou pads, sempre de última geração.
São estes pais mesmo à rasca, que já não aguentam, que começam a ter de dizer "não". É um "não" que nunca ensinaram os filhos a ouvir, e que por isso eles não suportam, nem compreendem, porque eles têm direitos, porque eles têm necessidades, porque eles têm expectativas, porque lhes disseram que eles são muito bons e eles querem, e querem, querem o que já ninguém lhes pode dar!
A sociedade colhe assim hoje os frutos do que semeou durante pelo menos duas décadas.
Eis agora uma geração de pais impotentes e frustrados.
Eis agora uma geração jovem altamente qualificada, que andou muito por escolas e universidades mas que estudou pouco e que aprendeu e sabe na proporção do que estudou. Uma geração que colecciona diplomas com que o país lhes alimenta o ego insuflado, mas que são uma ilusão, pois correspondem a pouco conhecimento teórico e a duvidosa capacidade operacional.
Eis uma geração que vai a toda a parte, mas que não sabe estar em sítio nenhum. Uma geração que tem acesso a informação sem que isso signifique que é informada; uma geração dotada de trôpegas competências de leitura e interpretação da realidade em que se insere.
Eis uma geração habituada a comunicar por abreviaturas e frustrada por não poder abreviar do mesmo modo o caminho para o sucesso. Uma geração que deseja saltar as etapas da ascensão social à mesma velocidade que queimou etapas de crescimento. Uma geração que distingue mal a diferença entre emprego e trabalho, ambicionando mais aquele do que este, num tempo em que nem um nem outro abundam.
Eis uma geração que, de repente, se apercebeu que não manda no mundo como mandou nos pais e que agora quer ditar regras à sociedade como as foi ditando à escola, alarvemente e sem maneiras.
Eis uma geração tão habituada ao muito e ao supérfluo que o pouco não lhe chega e o acessório se lhe tornou indispensável.
Eis uma geração consumista, insaciável e completamente desorientada.
Eis uma geração preparadinha para ser arrastada, para servir de montada a quem é exímio na arte de cavalgar demagogicamente sobre o desespero alheio.
Há talento e cultura e capacidade e competência e solidariedade e inteligência nesta geração?
Claro que há. Conheço uns bons e valentes punhados de exemplos!
Os jovens que detêm estas capacidades-características não encaixam no retrato colectivo, pouco se identificam com os seus contemporâneos, e nem são esses que se queixam assim (embora estejam à rasca, como todos nós).
Chego a ter a impressão de que, se alguns jovens mais inflamados pudessem, atirariam ao tapete os seus contemporâneos que trabalham bem, os que são empreendedores, os que conseguem bons resultados académicos, porque, que inveja! que chatice!, são betinhos, cromos que só estorvam os outros e, oh, injustiça!, já estão a ser capazes de abarbatar bons ordenados e a subir na vida.
E nós, os mais velhos, estaremos em vias de ser caçados à entrada dos nossos locais de trabalho, para deixarmos livres os invejados lugares a que alguns acham ter direito e que pelos vistos - e a acreditar no que ultimamente ouvimos de algumas almas - ocupamos injusta, imerecida e indevidamente?!!!
Novos e velhos, todos estamos à rasca.
Apesar do tom desta minha prosa, o que eu tenho mesmo é pena destes jovens.
Tudo o que atrás escrevi serve apenas para demonstrar a minha firme convicção de que a culpa não é deles.
A culpa de tudo isto é nossa, que não soubemos formar nem educar, nem fazer melhor, mas é uma culpa que morre solteira, porque é de todos, e a sociedade não consegue, não quer, não pode assumi-la. Curiosamente, não é desta culpa maior que os jovens agora nos acusam. Bom fim de semana e boa leitura. Até breve... amigos!

Homens de Deus...

Alguém, hoje, falou do padre tal, que era muito boa pessoa. Que era um bom homem. Fala-se muito dos padres. A minha reação é sempre igual. Sorrio e digo que fico contente por ouvir o que ouvi. E fico mesmo. Os padres gostamos que estas palavras existam na boca das pessoas para percebermos que afinal somos instrumentos de Deus necessários. Porém, hoje, depois do sorriso e de dizer que ficara contente, comecei a magicar sobre o que gostaria que falassem de mim. Se por acaso falassem e quando um dia falassem, ou imaginando que até falassem. Ficaria feliz que dissessem que era um bom padre. Que era um homem de Deus.

Mas e depois de tudo isto veio-me à memória uma história verídica de padres que um dia ouvi. Falava de um grupo de padres que tinham feito muitas obras sociais e investimentos de progresso na missão que lhes foi confiada. As pessoas gostavam muito deles e das suas obras. Deviam imenso àqueles padres. Aconteceu que no dia de uma inauguração importante de uma dessas obras em que estava presente o bispo, um senhor dos mais velhos, um ancião, dirigiu-se ao bispo e agradeceu do fundo do coração a obra dos padres. Que eram muito bons. No final do agradecimento, o ancião acrescentou ao bispo mais ou menos isto. "Agora que já estão concluídas estas obras, já nos podem falar de Deus, não é"...

O importante da nossa missão!

sexta-feira, 2 de março de 2012

A Desilusão Relacional...


A vida é feita de surpresas.
Algumas verdadeiramente supreendentes (dom de Deus) outras naturalmente desconcertantes.

A Relação inter-pessoal é profundamente exigente, obriga-me a conhecer o outro não de forma interesseira mas numa atitude interessada. Desafia-me a perceber quem ele é, quais as suas expectativas e anseios mais profundos, os seus medos e as suas alegrias,...enfim, é desafio permanente a ser com o outro numa atitude responsável, delicada e dedicada. implica uma escuta atenta e demorada, mais do que uma relação do tipo "Jornal da Noite TVI" (ao jeito de Manuela Moura Guedes)...

Estranha-me por isso que continuemos (até no seio da Igreja) a não entender que "só quem se deixou ferir pelas dores do outro, pelos seus anseios, por tudo o que ele é e está a ser" é que tocou verdadeiramente o humano. só quem foi capaz de colher as lágrimas copiosas de um qualquer pranto, só quem foi capaz de intuir nos olhos tristes a dor que vai dentro, ou numa simples palavra o desassossego de "quem quer partir e já não pode ficar" é que verdadeiramente tocou o humano e o Divino. Foi assim o nosso Cristo! Talvez por isso custe ainda a muitos aceitá-lo assim, despido de todas as armas, desarmado de todo o poder, servindo, apenas e só, a compaixão do Pai.

Por estes dias tive a oportunidade de reflectir e rezar tudo isto a partir da experiência daquilo a que chamo "desilusão relacional"...Felizmente que a Igreja não se pode confundir com a pessoa X ou Y, mas uma realidade é certa...quanto mais desiludidos mais distantes, e quanto mais distantes mais determinados a partir...é assim o ciclo da "desilusão relacional", quando o Papa Paulo VI falava que a Igreja era "perita em humanidade" tinha toda a razão...pena é que quem governa, entre desnortes e confusões, entre indecisões permanentes e ritmos atabalhoados, sem rumo e sem projecto, numa esquizofrenia pastoral do tipo bombeirista (olhando para o imediato sem perscrutar o futuro!), se canse com coisa nenhuma e esqueça o fundamental...mantendo supostamente uma "lucidez que resolve tudo" com uma banalidade tal...que questiona qualquer cristão mais atento e comprometido. Como não há-de questionar-se um padre?...